21 de novembro de 2009

A ordem é carregar as pedras

Sérgio Maggio*

O teatro é uma arte afetada pelo aqui e agora, por onde se pisa, pelas dores e amores de quem o faz. De natureza de toda arte, é espelho d’alma de quem se lança à criação. Há pouco tempo, em 2001, cheguei por aqui, em Brasília-Distrito Federal-Centro-Oeste-Brasil-América do Sul-Mundo. E ouvi entre cochichos e voz gritada de mesa de bar: Existe um teatro brasiliense? A pergunta parece sem sentido algum. Acredito que o homem daqui faz teatro daqui, afetado pelas coisas daqui, de como ele percebe o universo daqui, logo, faz teatro sob essa perspectiva da terra onde pisa e tira o pão.

E pisar em Brasília é estar inserido num projeto de cidade-sonho, da utopia de uma capital assentada no coração do país continental. A nação moderna cujo território é riscado por arquitetura signo de modernidade. É comungar com o Brasil de muitas caras, sotaques, crenças e gente. Paradoxalmente, é respirar o estigma de ser centro de poder, com todo o peso que recai nas costas de seus cidadãos. De ser sede administrativa, como toda inoperância em que se acredita ser construído o cotidiano do serviço público.

O teatro só é brasiliense quando embaralha, reflete, pensa e sacoleja esses rótulos que acorrentam Brasília e o Distrito Federal. Quando faz o espectador imaginar que a realidade em volta pode ser lida no plano sensível da arte. Quando somos todos ao mesmo tempo afetados pelos sonhos da construção e pelas máculas dos escândalos políticos, pilares dessa cidade que se esboça cidade. Quando fazemos o povo rir e chorar de suas próprias mazelas, sem necessariamente explicitá-las em ações no palco.

Como em todos os lugares do mundo, o fazer teatral só encontra identidade se passar pela angústia de seus fazedores. Aqui, fazer teatro tem sido, para a maioria, carregar pedras para erguer o templo inacabado, onde um dia, será um lugar de descanso do espírito e da loucura da vida, por vezes cheia de editais falhos, três vias de orçamentos, indeferimentos e acertos de balcão. Um lugar se conectar às forças do teatro sempre alimentadas por um Deus sacro-pagão, misturado de sentimentos antagônicos.

Por enquanto, às vésperas dos 50 anos festivos, a ordem de serviço é carregar as pedras.


*Sérgio Maggio é jornalista, escritor, dramaturgo, crítico e professor de teatro.


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